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26/06/2019, 13:34

Meu nazista favorito

por André Cunha

Uma das grandes revelações da literatura latino-americana nos últimos tempos, o chileno Roberto Bolaño (não confundir com o ator mexicano Roberto Bolaños, com “s” no final, famoso por interpretar Chaves e Chapolim Colorado) faleceu de forma precoce aos cinquenta anos, em 2003. Felizmente deixou uma série de livros. A Cia das Letras publicou alguns no Brasil ao longo dos últimos anos, como Os Detetives Selvagens, 2666, Estrela Distante, Noturno no Chile e O Espírito da Ficção Científica, todos excelentes. Mas o melhor estava por vir, e veio. Traduzido por Rosa Freire d`Aguiar, Literatura Nazista na América é de longe o mais delirante e criativo livro do autor. Definido pelo próprio como “uma antologia vagamente enciclopédica da literatura nazista produzida na América entre 1930 e 2010”, é um compêndio de biografias imaginárias de escritores e escritoras picados pela mosca do nacional-socialismo alemão. A genialidade aqui é narrar com franqueza e sem julgamentos morais as vidas tragicômicas dessas figuras.

Na seção “precursores e anti-iluministas” o leitor brasileiro vai se deliciar com o perfil de Luiz Fontaine de Souza, autor de caudalosas teses que contestam os principais filósofos do Iluminismo: “Em 1930 publica Refutação à Montesquieu (620 páginas) e, em 1932, Refutação a Rousseau (605 páginas). Em 1935 passa quatro meses internado numa clínica para doentes mentais em Petrópolis.” E vai se intrigar com as sincronicidades entre a arte e a vida, afinal o perfil do chanceler Ernesto Araújo escrito por Consuelo Dieguez e publicado pela revista Piauí em abril tem exatamente esse título: “O anti-iluminista.” Num trecho, Araújo investe contra a Revolução Francesa: “o povo que queria pão, respeito e liberdade, mas que amava a monarquia como símbolo nacional, foi rapidamente traído pela elite intelectual que o manobrara para chegar ao poder e que imediatamente começou a dar-lhe opressão, miséria e discurso ideológico, juntamente com a cabeça de Luís XVI, que ninguém pedira.” O cara já publicou três romances considerados herméticos – Xarab Fica, Quatro 3 e A Porta de Mogar – e um artigo chamado “Trump e o Ocidente” no qual tece efusivos elogios ao presidente dos Estados Unidos. Tá bom, Araújo não é nazista. Mas Olavo de Carvalho é terraplanista, fato.

 

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