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22/08/2019, 11:13

O melancômico

por André Cunha

Florent-Claude, o protagonista e narrador de Serotonina, o novo romance de Michel Houllebecq publicado no Brasil pela Alfaguara, é um sujeito depressivo. Não que isso seja grande novidade. Praticamente todos os personagens dos romances pregressos do autor também são. Se a novidade não é grande, pelo menos é boa. Descrito pela The Spectator como “o evento literário do ano”, o livro, sucesso de vendas na Europa, é deliciosamente triste e comicamente melancólico, num estilo que poderia ser descrito como melancômico.

Ao longo de pouco mais de duzentas páginas conhecemos a risível trajetória de um burocrata francês de classe média cuja vida se resume a uma sucessão de fracassos amorosos. Ao descobrir vídeos pornográficos estrelados pela namorada, que incluem sexo grupal e zoofilia, Florent-Claude, um homem com um nome ridículo – “detesto meu nome” -,  bola um plano ridículo, típico de um macho ferido: sair de cena. Mas pra onde? Sem amigos, sem família, sem libido (o antidepressivo que toma pra aumentar os níveis de serotonina, daí  o nome da obra, o deixou impotente) e sem perspectivas, mas com algum dinheiro no bolso, ele faz, segundo a sinopse, “um périplo por uma França decadente e esquecida”, sendo ele próprio um reflexo dessa decadência e desse esquecimento.

Dez entre dez resenhistas, rol no qual agora me incluo, apontaram a veia profética do autor ao descrever os protestos de produtores rurais esmagados pela burocracia da União Europeia que lembram as recentes manifestações dos coletes amarelos (o livro foi escrito antes que elas eclodissem). O El País resumiu assim a questão: “Houllebecq conseguiu de novo. Tem um faro indiscutível para captar o que alemães chamam de Zeisgeist, o espírito do tempo.” Muitos terroristas e atiradores em massa se encaixam no perfil houllebequiano de incels, ou celibatários involuntários – homens rejeitados, solitários, ressentidos e emasculados. A sacada aqui é transformar essa exasperante condição em algo engraçado. Eis a meta de Florent-Claude: “eu não tinha mais a esperança de ser feliz, mas ambicionava escapar da pura e simples demência.” Conseguirá ele?

 

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