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31/10/2019, 11:00

Minha mãe é uma grossa

por André Cunha

Há vários tipos de loucos: o maluco beleza, o doido de pedra, a louca varrida.  São criaturas fascinantes e sem eles a vida não teria a menor graça, como lembra Erasmo de Roterdã no clássico O Elogio da Loucura. Mas há dois tipos nem tão elogiáveis assim: o perigoso e o chato. Torça pra não cruzar com o primeiro. O segundo você já deve ter visto às pencas: desequilibrados emocionais que fustigam tudo e todos o seu desequilíbrio.

Pegue, por exemplo, o romance Morra, Amor, de Ariana Harwicz, publicado no Brasil pela Instante. Descrita como “umas das figuras mais radicais da literatura argentina contemporânea” e comparada a Virgínia Woolf, a autora escreve sobre mulheres desequilibradas a beira de um ataque de nervos e mergulhadas em excruciantes crises de ansiedade. Nada de errado com o tema – que rendeu o excelente A Paixão Segundo GH de Clarice Lispector, por exemplo.  O problema é a forma, o estilo e o conteúdo. Morra, Amor é a história de uma louca xarope.

“Eu me faço de superior com as caixas de supermercado, os entregadores de pizza e as manicures. Grito com eles em público, gosto de fazer escândalos, rebaixá-los, mostrar quão medrosos ele são” confessa a narradora. “Passei a manhã xingando o bebê. Disse tudo que há de mais feio” revela. Talvez as tiradas chocassem ou incomodassem na época de Virgínia Woolf, mas em 2019 soam como as diatribes de uma chata de galochas  (além de inexistir, ao longo de 140 páginas, qualquer alívio cômico). O leitor pode argumentar que é impossível para um resenhista homem sentir genuína empatia por uma personagem feminina passando pela experiência da depressão pós-parto. Fato. Mas um livro não escolhe seus leitores. O livro é um objeto promíscuo.

Essa era, aliás, a grande briga comprada pelo crítico Harold Bloom, falecido recentemente: o valor da literatura per se acima do valor de mercado ou do valor agregado (leia-se da literatura de nicho – negra, gay, feminina etc). É uma briga boa.

 

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