05/08/2020, 10:31
Deus me livre, mas quem me dera
por André Cunha
Sozinha no alojamento de um retiro cristão, limpando o chão com a empolgação típica de uma adolescente entediada, Alice (Natalia Dyer) vê pela janela uma cena desconcertante: uma monitora, pra todos os efeitos uma garota certinha, beija um colega, o que, naquele contexto, significa uma transgressão diabólica. Como se não bastasse, a intrépida infratora põe-se de joelhos e, heresia das heresias, entrega-se a uma felação caprichada. Incapaz de acreditar na ousadia dos pecadores mas excitada demais pra pensar com clareza, Alice olha pro cabo do esfregão e o cabo do esfregão olha pra ela. Ato contínuo aloca o objeto entre as pernas e passa a friccioná-lo contra a pulsante vagina. A manobra desajeitada configura uma das conquistas cinematográficas mais sensuais dos últimos tempos. Voyeurismo? Perversão? Não, arte.
Essas e outras sutilezas podem ser encontradas em Yes, God, Yes (2019), que estreou no festival SXSW no longínquo ano passado mas chegou às plataformas de streaming recentemente. Dirigido por Karen Maine e descrito como uma comédia dramática, o filme recicla um tema não muito original de forma engenhosa – a explosão hormonal dos adolescentes – ao inseri-lo num contexto sacro.
Em que pese o fato de os adultos serem retratados de forma algo estereotipada – eles são em geral hipócritas de carteirinha e o padre responsável pela garotada obviamente um tarado enrustido -, o filme logra êxito na missão de abordar a descoberta da sexualidade. O sucesso da empreitada se ancora no talento de Dyer, estrela da série Stranger Things. Atriz de evidentes talentos dramáticos, ela arregala os olhos em pleno êxtase cognitivo a cada vez que descobre um pouco mais sobre as maravilhas da libertinagem. Com meros setenta e oito minutos de duração e um título pra lá de cínico, uma vez que a expressão Yes, God, Yes é sobejamente utilizada em performances pornográficas, trata-se uma comédia despretensiosa mas, ainda assim, ousada. Pode olhar à vontade.
Tags: cinema, Yes God Yes