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29/10/2020, 10:10

Perdidinho

por André Cunha

A Tensão Superficial do Tempo (Todavia), de Cristovão Tezza, é um romance sobre um homem perdidamente apaixonado por uma mulher casada – caidinho por ela, encantado, inseguro, sem chão, desnorteado. É um tema e tanto.

Há muitos outros. Num livro de fôlego audacioso, escrito à queima roupa, sobre os dramas da classe média no Brasil nos dias de hoje, o autor investiga os meandros da pirataria digital, resenha com bom humor clássicos do cinema, descreve fenômenos químicos complexos e os relaciona com atilados insigths psicológicos sobre amor, sexo, abandono, solidão etc.

Em meio ao fluxo narrativo, os personagens praticam o mais popular esporte do Brasil nos últimos tempos: falar de política sem papas na língua e com sangue nos olhos. Estamos em Curitiba, em 2019, Cândido (o bobalhão apaixonado) é um professor de cursinho introspectivo e solitário que vê-se enredado numa série colóquios a respeito do tinhoso que ocupa a presidência. Aqui, Tezza não economiza no vocabulário.

Exemplo: “(…) agora, neste momento, a civilização brasileira é uma complexa implosão psicanalítica, banhada em tanatofilia, fixação anal, histeria, ressentimento, má-fé compulsiva e voluntarista e tuítes elétricos psicóticos, sob uma nuvem difusa e disfuncional de desejos erráticos de poder, que estão completamente à solta, como nunca estiveram – pelo menos não deste modo, sob tamanha incultura.” 

A mistura de política, desejo, traição, vazamentos – o marido da bonitona é um procurador apreensivo com as revelações da Vaza-Jato -, fofocas, porres de cerveja e uísque, bate-bocas exaltados na hora do cafezinho e delírios quiméricos de felicidade nascidos de relações tóxicas fadadas ao fracasso fazem de A Tensão Superficial do Tempo um livro altamente relevante, com o  dedo no pulso na nossa era.

 

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