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03/01/2019, 15:27

Ano Zero D.B

por André Cunha

Ano zero D.B

2018 em letras e livros

 

E o prêmio Nobel de literatura de 2018 foi para…. Philip Roth, um dos mais relevantes escritores norte-americanos da segunda metade do século XX, autor de obras como O Complexo de Portnoy, O Teatro de Sabbath, Pastoral Americana, Coelho Corre, Casei com um Comunista e tantos outros clássicos. Roth agradeceu ao prêmio em cerimônia polêmica na Academia, criticou o fantasma do bom mocismo e do politicamente correto na produção literária contemporânea e fez um veemente discurso em prol da liberdade artística, mesmo que ela incomode certas sensibilidades…

 

O parágrafo acima contem quantas fake-news? Primeiro, não houve entrega do Nobel de Literatura em 2018 em função de escândalos sexuais na Academia. Segundo, Roth faleceu em 22 de maio do mesmo ano, logo encontrava-se, por motivos técnicos, impossibilitado de receber o prêmio (se bem que podiam tê-lo premiado antes, certo?) Terceiro, o autor de Coelho Corre é John Updike. Aliás, você sabia que fake-news foi eleita a expressão do ano por uma comissão editorial do dicionário Aurélio? Mentira…

 

Chegamos, meio século depois do “ano que não terminou”, nas palavras de Zuenir Ventura, ao incerto terreno da “pós-verdade”, onde a tal “verdade” é relativa dependendo do contexto. Veja o imbróglio judicial envolvendo o livro de Ricardo Lísias, que utilizou o pseudônimo Eduardo Cunha numa sátira sobre o Impeachment. “Ficção” com doses de “realidade”, certo? Cunha alega que Lísias usa seu nome sem permissão. Lísias rebate que usa como mero pseudônimo. Ambo estão “certos.” Juro não usar mais aspas nesse texto…

 

Ou, quer saber? Vou usar sim. Por exemplo, um dos livros mais “irreverentes” do ano foi A Sutil Arte de Ligar o Foda-se – uma Estratégia Inusitada para uma Vida Melhor, de Mark Manson, publicado no Brasil pela Intrínseca. Digo “irreverente” entre aspas porque é fácil ligar o foda-se – entenda-se jogar tudo pro alto – quando se é um adolescente cheio de sonhos. O mesmo não se pode dizer de um pai de família cheio de dívidas. Experimente mandar o chefe à merda num país com treze milhões de desempregados. Ah, vá!

 

Como escreveu Yuval Noah Harari em 21 lições para o século 21 (Cia das Letras), “num mundo repleto de informações irrelevantes, clareza é poder.” Então prestem atenção na clareza desconcertante com que Harari abre o primeiro capítulo, intitulado Desilusão – O fim da história foi adiado:

 

“Os humanos pensam em formas de narrativas e não de fatos, números ou equações, e, quanto mais simples a narrativa, melhor. Toda pessoa, grupo e nação tem suas próprias lendas e mitos. Mas durante o século XX as elites globais em Nova York, Londres, Berlim e Moscou formularam três grande narrativas que pretendiam explicar todo o passado e predizer o futuro do mundo inteiro: a narrativa fascista, a narrativa comunista e a narrativa liberal. A Segunda Guerra Mundial derrotou a narrativa fascista, e do final da década de 1940 até o final da década de 1980 o mundo tornou-se o campo de batalha de apenas duas narrativas: a comunista e a liberal. Depois a narrativa comunista entrou em colapso, e a liberal permaneceu como principal guia do passado humano e o manual indispensável para o futuro do mundo – ou assim parecia à elite global.”

 

Parecia errado. O autor desenvolve a ideia de crise da narrativa liberal, representada por fenômenos como a eleição de Trump nos Estados Unidos e o Brexit na Europa, sinaliza o risco de autoritarismo político em países como Rússia e Turquia, reflete sobre a gravidade sistêmica da crise econômica que eclodiu há dez anos e define 2018 como uma espécie de Ano Zero de uma cronologia essencialmente antiutópica:

 

“Em 1938 foram oferecidas três narrativas aos seres humanos para que escolhessem uma; em 1968, apenas duas, e em 1998 uma única narrativa parecia prevalecer; e em 2018 chegamos a zero. Não é de admirar que as elites liberais, que dominaram grande parte do mundo nas décadas recentes, tenham entrado num estado de choque e desorientação.” Não mesmo!

 

Tanto que dados coletados pela Cambridge Analytica indicam que o livro mais citado por comentaristas e cientistas políticos em 2018 foi Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, publicado no Brasil pela Zahar, descrito pelo New York Times Book Review como “assustadoramente oportuno.”

 

Por falar em morte da democracia e pessoas assustadas, o que dizer das eleições no Brasil em 2018? Seu personagem mais espetacular foi Cabo Daciolo, do partido Patriota, famoso pelo bordão “glória a Deuxx” e por inserir em suas falas palavras incompreensíveis de origem, suponho, sânscrita e/ou aramaica. No debate presidencial do SBT, no dia 26 de setembro, declarou: “Quero fazer um ato profético. Estou profetizando para a população brasileira. Eu vou ser o próximo Presidente da República pela honra e glória do senhor Jesus, no primeiro turno, com 51 por cento dos votos.” Já pensaram se esse troço se realiza? Dava um livro! Algo inspirado em Phillip. K. Dick, talvez? Tipo O Homem do Parafuso Solto.

 

Desenvolvendo o tópico apresentado no parágrafo anterior, e falando em livros, não custa lembrar que a obra literária preferida do presidente eleito é A Verdade Sufocada – A História que a Esquerda Não Quer que o Brasil Conheça, escrito pelo chefe da repressão política na ditadura coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem, inclusive, dedicou o voto no Impeachment de 2016. É possível baixá-lo na internet e encontrá-lo à venda em sites como Amazon, Estante Virtual e Mercado Livre. Na capa consta o logotipo de uma tal Editora Ser.

 

Dados da agência supracitada apontam ainda que a hashtag do ano foi #metoo. Ou, dito de forma mais clara: a tendência comportamental digital do ano foi um movimento denominado “eu também”, que grosso modo consiste em verbalizar que “eu” – mulher – “também fui vítima de violência sexual” e por extensão implica que “eu, mulher, também fui vítima de violência sexual e me solidarizo com outras vítimas eventuais ou específicas.” (Em segundo lugar, #elenao).

 

De onde vem o ódio contra a mulher? Qual é a origem e a causa da misoginia? Stephen Greenblat investiga essas e muitas outras questões no excelente Ascenção e Queda de Adão e Eva (Cia das Letras), um mergulho psicanalítico e filosófico na história que abre o livro do Gênesis e, portanto, A Criação. Eva ficou com a má fama porque comeu a maçã e a ofereceu pra Adão. Essa má fama perdurou por muitos séculos.

 

Greenblat escreve: “Pelo menos para alguns cristão medievais, em especial aqueles que viviam em comunidades monásticas, a misoginia alcançava níveis que hoje nos parecem claramente patológicos.” E transcreve o trecho de um livro chamado Officium Beatae Virginis, escrito por um beneditino do século XI chamado São Pedro Damião. Definitivamente, a coisa mais misógina que você lerá hoje. Me arrisco a dizer que tem um lado cômico:

 

“Ó, vós, cadelas, porcas, corujas uivantes, corujas noturnas, lobas, sanguessugas, que bradam “Traz! Traz!” (Provérbios, 30, 15,16). Vinde, ouvi, meretrizes, prostitutas, com vossos beijos lascivos, vossas pocilgas para porcos gordos, coxins para espíritos imundos, semideusas, sereias, bruxas, devotas de Diana, se quaisquer portentos, se quaisquer presságios foram encontrados até hoje, devem ser julgados suficientes para o vosso nome. Pois sois a vítima de demônios, destinadas a ser eliminadas por meio da morte eterna. Por vossa causa, o demônio ceva-se mediante a abundância de vossa luxuria, é alimentado por vossos festins sedutores.”

 

Níveis patológicos? Níveis psicóticos, isso sim! O homem do século XXI é bem mais evoluído. Garanto que nem em seus mais insanos delírios literários um autor/narrador seria capaz de sequer imaginar uma agressão contra uma mulher indefesa. Certo, Cristóvão Tezza?

 

“Talvez matá-la. A pura ideia ficou alguns segundos diante dele, quase um objeto estranho a ser contemplado com curiosidade, e uma série de métodos lhe veio à cabeça – o veneno, o tiro na testa, a asfixia, o empurrão das alturas, o incêndio criminoso, a terceirização do homicídio, aguardando o telefonema com a confirmação irrecorrível; ou ainda mão na massa, o desfecho pessoal do porrete, duas três, quatro vezes, sangue espirrando, a fúria conta pontos a favor, ele agiu sob violenta emoção, o que mitiga a culpa nos tribunais -, cenas de um filme, todos os dias milhares de homens matando milhares de mulheres Pá! Pum! Morra, filha da puta!”

 

Bem, escritores não escrevem apenas sobre coisas bonitas. E o casamento deixa as pessoas estressadas, fato.

 

Voltando à vaca fria, o livro à cidade (Autor Independente), de Mauricio Furtado Viana, foi eleito o livro do ano no prêmio Jabuti. O pajubá, dialeto secreto de gays e travestis, foi tema de uma questão ENEM. Bill Clinton lançou um thriller. Articulistas, editorialistas, comentaristas e colunistas usaram a palavra “fascismo” aproximadamente oitocentos milhões de vezes. Ao digitar “livros 2018” no Google a primeira opção que aparece é As Aventuras de Netoland com Luccas Neto (Ediouro). Crise no mercado editorial. Livraria Saraiva fecha vinte lojas.

 

A música mais tocada no Spotfy? Eu Te Amo Tanto, de Dennis e Matheus & Kauan feat MC Koringa. Trata-se de um funk romântico cuja letra expressa um lirismo comovente: “Escuta aí meu coração / Eu não sei lidar / com essa distância / eu tô sofrendo, tá machucando.” Ao 1 minuto e 44 segundos, no entanto, uma mutação ocorre. O ritmo da canção acelera. A entonação verbal se modifica. O machucado sofredor se transforma. A instância discursiva muda. Os vetores de micropoder foucaultiano se alteram. Estereótipos de gênero se revelam: “Eu desejei ver você sentar / tô desejando te ver quebrar / mexe a rabeta pra lá e pra cá / e me faz apaixonar.” Como assim? Estragou a música, que já era ruim.

 

A edição 1061 de 29.10.18 da revista Época, uma “edição político-literária”, com o título “É Tudo Mentira – a corrida presidencial eleitoral na ficção de 22 escritores”, lançou um olhar literário sobre a cena política. O conjunto é irregular. Destaque pra Mensagem Apagada, de Carlos Eduardo Pereira, que simula uma caótica conversa em grupos simultâneos no Whatzapp. Trechos: “Bom dia, amigos. Mais de 600 mensagens em 24 horas. Perdi alguma coisa?”, “Ele pode não ser o melhor fertilizante para o Brasil neste momento, mas é o melhor pesticida de que dispomos agora”, “Os golpistas de ontem são os aliados de hoje.” No poema Golpe 2.0 (Filhotes da ditadura) Yasmin Nigri escreve: “no melhor dos cenários / o bozo não leva / bebo todas / baixo a francófila / brado em brasa / viva o Brizola! / salto nua / no fusca em chamas / sequestro o lula / empalo o cunha / mato o temer / pego em armas.” Isso no melhor dos cenários! Imagina na Copa!

 

Sobre a prisão do Lula, duas referências: Luiz Inácio Luta da Silva: nós vimos uma prisão impossível (Contracorrente), coordenado por Esther Solano e O Lula tá preso, babaca, de Joselito Muller (KDP), inspirado numa frase de Cid Gomes, irmão de Ciro (Gomes).

 

Frase do ano: “É burrice ter ideologia.” Paulo Guedes em depoimento a Malu Gaspar no perfil O Fiador, na edição 144 da revista Piauí. Dúvida sincera: seria Paulo Guedes, do ponto de vista ideológico, um burro?

 

Por fim, Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump, de Michaell Wolf (Objetiva) descreveu o topetudo presidente dos Estados Unidos como um acéfalo egocêntrico. Trump não gostou mas não censurou, aliás nem tem poderes pra isso. Que sirva de exemplo. Que Philip Roth descanse em paz. E que venha o Quarto Reich! Sigamos!

 

Confira a seguir alguns trechos de livros publicados no Brasil em 2018. Boa leitura!

 

Escritores frustrando expectativas I

 

O sentido de tornar-se um escritor é mostrar a Bethany quanto você é especial e único, em comparação às massas que só fazem a mesma coisa. Acredita que, em termos de vida adulta, ser um escritor é o equivalente a usar a fantasia mais criativa e interessante na festa do Dia das Bruxas. Quando se decide se tornar um escritor – isso aos vinte e poucos anos, quando faz algo que parece muito importante, entrar no curso de “Escrita Criativa” -, você mergulha de cabeça no estilo de vida característico da profissão: começa a frequentar saraus artísticos; passa longas horas em cafés; veste-se de preto; coleciona roupas escuras que podem ser descritas como pós-apocalípticas ou pós-holocausto; bebe álcool, geralmente até altas horas da noite; compra diários encadernados em couro; canetas pesadas e metálicas, jamais esferográficas, jamais retrateis; cigarros, primeiro os normais, do tipo que todo mundo compra nos postos de gasolina, passando em seguida a marcas europeias extravagante, vendidas em caixas compridas que só podem ser adquiridas em tabacarias elegantes e lojas especializadas. Os cigarros lhe dão algo com que ocupar as mãos quando você esta em publico e sente que alguém o observa, avalia e julga (…)

Ao escrever, você não fala sobre si mesmo. Em vez disso, escreve historias pesadas, obscuras e violentas, e isso da origem ao boato de que você talvez esconda segredos (…)

E, ao escrever essas narrativas, tudo o que lhe interessa é o que Bethany vai pensar ao lê-las. Os contos, na verdade, são apenas uma encenação permanente com um único objetivo: fazer com que Bethany sinta coisas por você. Faze-la acreditar que você é talentoso, sofisticado, brilhante, profundo. Fazer com que ela o ame novamente.

O paradoxo é que você nunca lhe mostra nenhum deles.

Porque, embora você ande com a galera da literatura, frequente oficinas de escrita, se vista como um escritor e fume como um escritor, precisa admitir, no fim das contas, que não escreve muito bem. (Nix. Nathan Hill, Intrínseca).

 

 

Escritores frustrando expectativas II

 

Eu queria escrever o que tinha vontade de escrever, por mais que fosse ofender, aborrecer, contestar ou decepcionar as pessoas e desagradar a parte de mim que desejava agradar. Eu tentara me livrar disso, e até certo ponto conseguira: meu ultimo romance tinha aborrecido, contestado e desapontado um numero impressionante de leitores. (Floresta Escura. Nicole Krauss, Cia das Letras).

 

 

E se jogassem LSD na caixa d’água do mundo?

 

Entendia agora por que haviam proibido aquela droga; o mundo não funcionaria com ela. As pessoas entrariam em contato apenas consigo mesmas, como se fosse bilhões de monges meditando ao mesmo tempo em suas cavernas interiores, indiferentes à agonia e à glória dos outros. O carros parariam de funcionar. Os aviões não decolariam mais. Não haveria semeadura e colheita – apenas deslumbramento e êxtase. E em pouco tempo a humanidade seria varrida da terra por aquilo que em princípio seria um vento purificador, mas no final se tornaria um vento de aniquilação coletiva. (Hippie. Paulo Coelho, Paralela).

 

Ah se fosse só no Rio…

 

Vocês só falam de droga, nunca vi.

Isso é porque o mundo tá drogado, irmão. Até parece que tu não sabe. Já te falei, vou falar de novo: uma semana sem drogas e o Rio de Janeiro para. Não tem médico, não tem motorista de ônibus, não tem advogado, não tem política, não tem gari, não tem nada. Vai ficar todo mundo surtando de abstinência. Cocaína, Rivotril, LSD, balinha, crack, maconha, Novalgina, não importa, mano. A droga é o combustível da cidade. (O Sol na Cabeça. Geovani Martins, Cia das Letras).

 

 

Quem nunca?

 

Ela não tinha ideia do que viria. Com suas crianças, tudo ficou mais complicado: fazer compras, dar banho, ir ao médico, fazer faxina. As contas se acumularam. Myrian ficou sombria. Começou a detestar as saídas ao parque. Os dias de inverno pareciam intermináveis. Os caprichos de Mila a irritavam, os primeiros balbucios de Adam lhe eram indiferentes. Ela sentia cada dia um pouco mais a necessidade de ficar sozinha e tinha vontade de gritar como uma louca na rua. Eles me devoram viva, pensava, às vezes (…)

Durante meses ela fingiu suportar a situação. Nem para Paul ela soube como falar sobre a vergonha que sentia. Como se sentia morrer por não ter nada de diferente para contar além das bobagens das crianças e das conversas entre desconhecidos que ela espiava no supermercado. Começou a recusar todos os convites para jantar, a não responder mais aos telefonemas dos amigos. Desconfiava sobretudo das mulheres que podiam ser tão cruéis. Tinha vontade de estrangular as que diziam admirá-la, ou, pior, invejá-la. (Canção de Ninar. Leila Slimani, TusQuets).

 

 

Leadership Skills MasterGuide. Made in China

 

Quando um líder participa de uma reunião, ele deve sempre chegar um pouquinho atrasado. Entretanto, o chefe Liu jamais se atrasava e era sempre o primeiro a chegar. Depois que todos os outros chegavam, ele se sentava e se preparava para a reunião, mas, antes, cutucava os dedos dos pés por algum tempo. Dessa maneira, os presentes eram lembrados de quão talentoso e prestigiado ele era, junto ao fato de serem seus subordinados e precisarem ser deferentes em sua presença.

(…)

 

As pessoas começaram a morrer de fome.

Uma pessoa morria após a outra.

Novas sepulturas começaram a brotar no cemitério da aldeia. Quinze dias depois, as sepulturas começaram a irromper como brotos de bambu após uma chuva de primavera e, por fim, um grupo de sepulturas tão vasta quanto um campo de trigo surgiu na frente da aldeia (Os Beijos de Lênin. Yan Lianke, Record).

 

 

Amar é sofrer

 

A doença da minha avó podia ser definida como uma espécie de loucura amorosa. Ou seja, bastava que um homem bem apessoado transpusesse o portão da casa e lhe sorrisse, ou apenas olhasse para ela – e como ela era muito bonita, isso era coisa que podia facilmente acontecer -, para ela o tomar por um pretendente. Começava a esperar por uma visita, uma declaração de amor, um pedido de casamento e passava o tempo escrevendo naquele maldito caderno preto, que eles tinham procurado para levar para o médico do manicômio, mas não tinham conseguido encontrar. É claro que ninguém aparecia para pedi-la em casamento e ela esperava e olhava fixamente para o portão e ficava sentada no bando da galeria, com a sua melhor roupa, de brincos, lindíssima, porque era de fato linda, e sorria o tempo todo como se não entendesse nada, como se tivesse vindo da sua aldeia na Lua. Depois a mãe descobriu que ela escrevia cartas, ou poemas de amor, para esses homens, e quando percebia que ele nunca mais voltariam, começava a tragédia e ela gritava e se atirava no chão e queria acabar consigo mesma e com todas as coisas que tinha feito, e minha bisavó tinha de amarra-la à cama com ataduras. (Uma Certa História de Amor. Milena Agus, Leya).

 

 

Vai se tratar, mano!

 

Por uma complexidade de motivos que não sei bem, interrompi-a no inicio da estimulação oral e beijei-a com uma paixão que não sentia, mas que foi crescendo dentro de mim enquanto eu fingia, logo depois, para meu alivio e genuína surpresa, eu estava pronto para continuar.

A lubrificação, contudo, ainda era um problema, um problema agravado por nossa impressão, possivelmente equivocada, de que o cunnilingus podia por em risco a concepção, que a saliva poderia interferir no transporte espermático. Diante disso, apelamos para a estimulação manual com ela ajudando, e, auxiliada por alguma imaginação por trás dos seus olhos fechados, acabamos os dois podendo seguir em frente. Quando eu estava por cima, ela abriu os olhos, epitélio escuro e estroma claro, e disse, sem duvida para nos encorajar, “Me fode”. Mas a afetação inconfundível na voz da pessoa menos afetada que conheço me fez sorrir: depois os dois começamos a rir, provocando o que parecia uma flacidez instantânea (…)

Eu estava atrás dela, tentando resolver o que faria com as minhas mãos, que eu sentia um pouco dormentes. Eu estava tímido demais para pegar nos seus peitos ou na genitália, como meus instintos me pediam, embora estivéssemos agarrados. Finalmente perguntei0lhe onde queria que eu a pegasse com uma formalidade educada e tão incongruente que mais numa vez começamos a rir. Mas estávamos determinados a não deixar a que a hilaridade tirasse nossa concentração uma segunda vez. Ela virou-se e encarou-me abertamente, prendendo as suas pernas nas minhas. Eu puxei seu cabelo para trás, deixando o pescoço exposto, enfiei meu rosto ali e, depois de muitos meses de tentativa, gozei. (10:04. Ben Lerner, Rocco).

 

 

Nada como um bom banho de água radioativa

Em julho de 1990, quando o mês mais quente dos 53 anos da história de Kirosk coincidiu com o colapso da autoridade soviética, os idosos da cidade começaram a mergulhar no lago Mercúrio. De manhã, cedo, reuniam-se no cascalho das margens com seus cabelos brancos protegidos por gorros de pele e ficavam só com a roupa de baixo. Quando levantavam os braços, seus tríceps flácidos pendiam dos ossos. Um homem fitando as águas do lago dava tapinhas afetuosos na própria barriga proeminente. É possível que tivesse passado os últimos cinquenta anos se perguntando se ela poderia servir-lhe de como boia, e agora, finalmente, saberia a resposta. Nada se compara à visão de duas dúzias de octogenários seminus. Entramos no palco da vida como bonecos e saímos de cena como gárgulas. (Trilha Sonora para o Fim dos Tempos. Antony Marra, Intrínseca).

 

 

Seja feita a Vossa vontade!

 

Agarrei seus quadris e puxei seu corpo para a beirada do balcão. Então esfreguei a cabeça do meu pau em sua boceta doce e escorregadia.

A forma como ela murmurou meu nome fez com que ele parecesse uma palavra obscena. Ela pronunciou como se ele tivesse cinco sílabas e ela quisesse ser fodida por cada uma delas.

Eu enfiei.

– Puta merda – rosnei, porque era bom demais.

– Eu sei – ela murmurou, e eu estava adorando o fato de estarmos na mesma sintonia.

A umidade dela me acolhia, e estar dentro de Josie era como estar no paraíso. Era confortável, quente e molhada, e ela me agarrava com força enquanto eu a preenchia. Suas mãos subiram pelo meu peito e se seguraram nos meus ombros. Apoiei uma das minhas mãos no balcão, e com a outra segurei seu quadril para poder me aconchegar bem dentro dela.

Eu empurrava e ela gritava.

Eu gemia enquanto me movia dentro dela, primeiro devagar, aproveitando cada momento, até que, então, comecei a fodê-la sobre a bancada da cozinha (…)

Por um instante, não éramos nada além de murmúrios e suspiros, gemidos e grunhidos, e o som de carne batendo contra carne. Tornamo-nos um só elemento carnal, um homem e uma mulher cheios de desejo, um consumindo o outro.

Ela então segurou me rosto, apertou-me como firmeza, abriu os lábios e disse:

– Me faz gozar. (Pacote Completo. Lauren Blakely, Faro Editorial).

 

 

Quando o cara só quer um pouco de carinho e toma um choque de realidade

 

É uma coisa meio patética um homem feito como você reclamar de falta de afeto, disse-lhe Teresa em uma de suas sempre tensas conversas após o sexo. – Você não vê o mundo em volta. Essa espiral medonha de injustiças brutais, irrecorríveis e irreversíveis? Onde quer que você meta os olhos, o inferno espreita. Pense no porteiro do prédio, na vida de merda que ele leva, a mulher invalida em casa, o filho na cadeia. Veja o garçom, solícito, curvado, recolhendo o troco, andando quatro horas de ônibus por dia, em pé, para chegar aqui e ser gentil com você. Aquele zumbi do crack pedindo dinheiro na esquina e sorrindo como uma ameba, praticamente buscando a morte para se livrar da única coisa que ele ainda tem que é a respiração? A velha na fila do hospital, o menino currado pelo padrasto, o travesti retalhado à navalha. A menina suicida por bullying, o mulato preso por engano, lesado na cabeça por uma coronhada, sem julgamento há dois anos? (A Tirania do Amor. Cristovão Tezza, Todavia).

 

 

Da série coisas que convém não mencionar I

 

O que você fez não é direito! Você fez mal à Karen! Fez mal a todos nós!

Ela andou falando? Acho que tanto ela quanto a mãe gordona dela não tem mais o que fazer além de falar. Pois é, eu sabia que ela ia engordar feito a mãe. Foi por isso que precisei ensinar tudo a ela, entende, antes que ela engordasse. Não é nada bom trepar com uma mulher que engordou. Não só pela gordura em si, embora isso já seja ruim o suficiente, mas porque toda garota fica deprimida quando engorda. E não é nada bom trepar com uma garota deprimida – diz ele, balançando a cabeça. – Você fica sozinho fazendo os movimentos. (Uma Boa Corrida. Irvine Welsh, Rocco).

 

Da série coisas que convém não mencionar II ou Seria a delicadeza uma virtude cristã?

 

Por que em praticamente todos os países de maioria muçulmana não há liberdade religiosa para os não-muçulmanos? Por que, na atualidade, os muçulmanos não se destacam pela colaboração no desenvolvimento científico e tecnológico, na filosofia, nas artes ou na literatura? (…)

Podemos considerar o premio Nobel como referência para uma simples comparação entre muçulmanos e judeus, o que nos dará uma noção bem clara daquilo que estamos falando. Segundo números registrados até 2009, os muçulmanos, que correspondem a 25% da população mundial, ganharam apenas sete prêmios Nobel, e os judeus, que correspondem a 0,02% da população mundial, possuem 176 prêmios Nobel! (As Verdades que Nunca te Contaram sobre a Igreja Católica. Alexandre Varela e Viviane Varela, Planeta).

 

Da série coisas que DEVEM ser ditas

 

Relativistas culturais alegam que diferença não implica hierarquia, e que não devemos preferir uma cultura a outra. Humanos podem pensar e se comportar de várias maneiras, mas deveríamos celebrar essa diversidade e atribuir valor igual a todas as crenças e práticas. Infelizmente, essa abertura de espírito não resiste ao teste da realidade. A diversidade humana pode ser ótima quando se trata de culinária e poesia, mas poucos acham que queimar bruxas na fogueira, infanticídio ou escravidão são fascinantes idiossincrasias humanas que deviam ser protegidas contra a ingerência do capitalismo global. (21 Lições para o século 21. Yuval Noah Harari, Cia das Letras).

 

 

Abaixo, acusações graves! A critica literária não se manifestará a respeito?

 

Levando em conta o superveniente falecimento do genitor da criança e as sérias violações aos direitos fundamentais da infância ao afastar a pobrezinha do seio da família biológica, esta Promotoria acusa Marcela Kramer não só de ser a mandante do homicídio doloso triplamente qualificado de Jean Pierre Boulanger como de ser uma destruidora de famílias e monstra absoluta da maldade em cujas veias sem dúvida alguma corre sangue de barata.

Afinal, acaso não descarregara, esta traidora da estirpe, tal qual Zingua, a rainha africana que imolava seus amantes, sua tara contra o vil mancebo e depois mandara matá-lo?

A relação entre os fatos não parece evidente, caros senhores e senhoras do júri?

Além de adúltera, assassina!

Não só não tivera escrúpulos em lograr o ilícito conluio carnal com o dito cujo como valera-se dos sicários do corno golpista, especializados em serviços sujos, para executá-lo.

Atenta aos liames socioafetivos do caso e suas implicações na jurisprudência doravante aplicada, esta Promotoria enfatiza ainda a conduta de especial reprovabilidade da ré, a qual, além de mentir, trair e fornicar fora do casamento, ou, como se diz em linguagem popular para maior entendimento do distinto júri, descabelar o palhaço e molhar o biscoito do cavalheiro, agasalhar com evidente alegria o seu croquete, gratinar com voluntariosa perícia o seu canelone, descascar veementemente sua mandioca, ofertar manobras ao seu pistolão carregado, espocar a incontrolável e iridescente silibrina em convulsivo arrebatamento, amassar o (a bem da verdade praticamente dar perda total no) capô do fusca, entregar-se à nababescas lapadas na rachada e ao mais frenético vuco-vuco e lograr, em suma, uma escaldante sessão de chaca chaca na buchaca, não feliz com as ousadas façanhas, urdiu um plano ainda mais diabólico: instruiu detalhadamente criminosos de alta periculosidade para que, à sangue frio, sob a cálida doçura de um entardecer parisiense, invadissem a casa da vítima e enterrassem um projetil calibre quarenta e cinco na sua – vale notar, do ponto de vista da estrutura craniofacial, extremamente harmônica – cabeça. (Marcela – Um Thriller Erótico no Primeiro Escalão da República. André Cunha, KDP).

 

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