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02/04/2022, 06:53

Luto(a)

– Oi, Helena… Como você está?
– Jururu, ainda. Aquele velhinho gorducho me alegrava muito, o rabinho sempre abanando, as patinhas batendo no piso, pedindo para descer…
– E pra comer, né?
– É! Era engraçado. Não podia mexer em nada que ele gostava, logo ele aparecia com aquela carinha de “me dá”. Podia estar dormindo lá na sala, eu ouvindo o ronco dele daqui. Saudades…
– Nós, também. Mas é a vida. Ele tinha treze anos e muitos problemas de saúde.
– É… E vocês?
– Os meninos estão aproveitando mais. Ficam tristes às vezes, mas acho que termos viajado, ajudou. Não deu tempo de eles sentirem tanto a falta do bichinho. Difícil é a culpa. Quando o Fido internou, eu pensei em cancelar tudo, adiar não tinha mais jeito. Só que, logo depois, ele partiu. Não fazia sentido ficar aí, não havia mais o que fazer. Mas ainda sinto que é errado estarmos aqui nos divertindo.
– Nada. Depois de dois anos esperando, tantos adiamentos, tudo acertado com a escola dos meninos…
– Isso. E de resto? Nem tenho visto noticiário.
– Bom… Teve o ministro que caiu.
– Quem? O Milton Ribeiro?
– Isso. O dos pastores.
– Eita! O presidente tá fraco mesmo, hein? O Sales, ele segurou um tempão.
– Vi que foi pressão dos evangélicos.
– Faz sentido. Os peixinhos poderiam atrapalhar o esquema dos tubarões.
– Oi?
– Xá pra lá. Que mais?
– Hummm… Ah! Teve o tapa do cara do MIB, no Oscar.
– Hein?
– Aquele agente, do filme dos ETs, aquele, todo malandro…
– Ah! O Will Smith! Ele ganhou o Oscar? Que beleza!
– Então? O apresentador fez uma piada lá com a doença da mulher dele, porque ela é careca, e ele não gostou e deu um tapa na cara do outro.
– Tapa na cara? Desnecessário, né? O que a mulher dele tem? Câncer?
– Não. É uma doença que cai o cabelo.
– Alopécia?
– Acho que é isso.
– Sei lá! Errado demais fazer piada com a aparência dos outros, mas, tapa? Achei exagerado.
– Exagero foi o governo tentar censurar o festival lá do Lula.
– Festival do Lu…? Ah! O Lollapalooza? São shows, Helena! Não tem nada a ver com política.
– Igual a nossas conversas, né?
– É? Nossa conversa é um show?
– Não! Mas sempre tem um “fora, Bolsonaro!”