10/10/2022, 09:00
“Minha regra é sempre tentar escrever o livro que eu gostaria de ter lido”
por Felipe Lucchesi
Colunista: Felipe Lucchesi
Onde nascem os sonhos?
Foi em Sooretama, Espírito Santo, onde nasceram os do Escritor e Desenhista, Marcelo Felix.
Entre desenhos, estudos e sonhos, o contato e a paixão pela Literatura logo surgiram.
Rascunhos em gavetas, personagens na cabeça, palavras pulsantes nos papeis e a vontade de tornar-se um reconhecido Escritor, guiaram Marcelo Felix até a realização do livro: “Martyn o detetive: e o sumiço dos encrenqueiros” (publicado pela Lura Editorial), que aborda o Bullying ainda presente na rotina escolar, diversidade familiar e o poder da verdadeira amizade na vida de uma pessoa.
Entrevista
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Ser Escritor para você era um sonho distante?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Bom, eu não cresci cercado de livros e minha família também não é leitora, e onde moro a cultura ainda é muito escassa. Então pensando por estes pontos, sim. Nunca havia conhecido um escritor antes, não sabia onde eles viviam, o que comiam, ou como os livros eram feitos. Mesmo assim, nunca achei que ser escritor era uma realidade distante. Na minha infância eu vivia muito dentro da minha própria cabeça. Criava histórias, fazia revistinhas em quadrinhos com os amigos, adorava soltar a imaginação. Eu já era um escritor.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Mesmo depois de ter publicado alguns livros, ainda há espaço para a autossabotagem?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Sempre a autossabotagem pode nos surpreender, em qualquer área de atuação. Basta acreditarmos muito no que as pessoas que nos cercam, dizem. As vezes acreditamos que somos suficientes demais ou ruins demais em qualquer coisa, isso pode nos levar ao declínio. Por isso gosto de ouvir o sim e o não, elogios e críticas, mas também gosto de ouvir a mim mesmo, o meu coração. Tentar me manter sóbrio diante das sabotagens da própria mente.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Além de Escritor, você também é Desenhista. Tem algum segredo para o seu lado criativo estar sempre potente?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Sobre desenhar, tenho muitos parentes que desenham na família. Cresci pedindo para minha irmã desenhar os heróis que eu gostava na infância (pedia tanto que um dia ela se cansou e disse que eu deveria fazer meus próprios desenhos, e foi assim que aprendi a desenhar). Sempre fui o garotinho que estava no mundo da imaginação e tentava criar arte de alguma forma. Ainda assim, não acredito na criatividade apenas como uma musa, sei que somos mais criativos quando sentamos todos os dias para fazer algo com disciplina (apesar da dificuldade). A inspiração aparece melhor para quem já está trabalhando.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Qual Escritor ou Escritora que você admira, conseguiu conhecer pessoalmente? Como foi esse encontro?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Sem dúvida o querido Pedro Bandeira. É verdade que mesmo participando de duas lives com ele e trocando livros e autógrafos eu ainda não tive o prazer de apertar sua mão e dizer o quanto sou grato por ele ter criado os Karas. Quase consegui realizar esta façanha na Bienal deste ano, mas ainda não foi desta vez.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Como leitor, qual a importância que teve esse encontro?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Diante deste encontro online, foi gigantesca. Ver, conversar com aquela pessoa que você admira é ao mesmo tempo incrível e inacreditável. Quando participei de uma live com o Pedro não conseguia acreditar que estava falando com a pessoa responsável por me fazer se apaixonar por livros e histórias, por me fazer querer ser escritor. É como se o Pedro Bandeira também fosse um personagem que vivesse na minha imaginação e agora caminhava no mundo da realidade. Foi simplesmente mágico.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Como lida com a expectativa que os leitores criam sobre você?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Trato da melhor forma possível. Quando ninguém sabe que você escreve não há ninguém esperando pelo seu próximo trabalho, no entanto, depois que já conseguiu alguns leitores eles começam a cobrar histórias e continuações, e elas virão, logicamente, no tempo certo.
E tem também outro tipo de expectativa que criam sobre mim. Quando vou em escolas para os bate-papos literários, falar sobre livros, escrita, investigação e romances policiais, os alunos esperam ver um escritor alto, misterioso, quem sabe com um sobretudo, uma lupa e um chapéu e não um rapaz baixinho e sorridente (risos). Mas tudo se resolve quando começo a falar da minha paixão por livros e eles se esquecem que sou quase da mesma estatura da turma.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Você lembra do primeiro encontro com algum leitor ou leitora?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Não tenho certeza se foi realmente o primeiro, mas foi um encontro que me marcou para sempre. É incrível saber que entre milhões de livros aquela pessoa está lendo justamente o seu. Lembro da primeira vez depois que publiquei o livro do Martyn, eu estava indo para o trabalho (pois acredite, no dia seguinte à publicação você não é um escritor best-seller famoso), eu passei num ponto de ônibus e vi uma pessoa lendo meu livro. Achei aquilo simplesmente fantástico e naquele dia fui trabalhar mais feliz.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – “A distância que uma boa história precisa percorrer para chegar ao mundo real, é o caminho que as palavras gastam para nascer no coração e sair pelas pontas dos dedos.” (trecho do livro de Marcelo Felix). Acredita que ser Escritor envolva mais técnica ou talento?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Acho que escrever é magia. Mas não me entendam mal, temos que ser mágicos que treinam seus truques todos os dias. Certamente quem tem talento terá uma facilidade maior para construir histórias e personagens, mas defendo bastante a técnica. Quem acredita que a escrita é só talento, também acredita na musa inspiradora. Infelizmente este nunca será um romancista, pois só irá escrever quando estiver inspirado. Entre técnica e talento, a escrita é um pássaro com estas duas asas. Sem uma delas ele não voa.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Algum personagem do livro: “Martyn o detetive: e o sumiço dos encrenqueiros” foi inspirado em alguém que fez ou faz parte da sua rotina?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Sim, vários deles. Porém, como não os pago por direito de imagem é melhor não citar nomes (risos). Na verdade, muito dos personagens são fragmentos de mim mesmo. Por exemplo o trio principal: O Kleber é brincalhão, Martyn observador e meticuloso e a Diana é a aquela menina determinada. Outros personagens que aparecem no livro são amigos reais do tempo de escola, de forma caricata é claro, exagerando um pouco em alguns aspectos. Mas eles estão lá.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – O quanto teve que acessar suas vivências pessoais para escrever: “Martyn o detetive: e o sumiço dos encrenqueiros”?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Escrever Martyn o Detetive foi muito tranquilo. Este é um projeto que estou desenvolvendo há mais de dez anos e tenho todo o esqueleto de todos os livros pronto. Eu sempre quis escrever um livro que eu adoraria ter lido, e como as memórias da escola ainda estavam muito frescas em minha mente não tive muita dificuldade para trazê-las à tona.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – O Bullying é um dos temas abordados no seu livro. Por que decidiu falar sobre isso?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – O Bullying nunca foi uma pauta para escrever o livro. Martyn o detetive é uma série e eu não queria começar colocando o jovem para investigar um assalto ou um assassinato. Queria algo mais próximo da vida dos adolescentes, algo que eles entenderiam de imediato. No livro, o bullying é um tema que não soa muito didático, como um puxão de orelha, ele não é o foco da história e sim a aventura do trio de detetives. Ele é mais um alerta tanto para os pais quanto para os alunos. Também é uma crítica. Se alguém estivesse sequestrando todos os alunos encrenqueiros do colégio e trazendo a paz, de qual lado você ficaria?
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Já houve algum feedback de algum leitor ou leitora que passou por essa situação e lhe procurou depois de ter lido o livro?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – A respeito do Bullying não, mas já me falaram sobre o abandono familiar. Na história, o Martyn mora somente com a mãe dona Luciele, e a Diana mora com a tia que ela chama de mãe (seus pais morreram quando ela era mais nova). Uma vez uma amiga e leitora me contou que os seus pais estavam se separando e que seu único irmão não lhe dava a mínima atenção, isto estava gerando o início de uma depressão e ela me disse que foi lendo o livro que conseguiu sair desta situação, pois agora ela tinha um trio de amigos para lhe fazer companhia naquele momento tão difícil.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Martyn, Kleber e Diana são amigos que certamente todos gostariam de ter. As redes sociais em alta e a preocupação em likes e aumento no número de seguidores, de alguma forma, criam uma geração com relações rasas?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Sim e não. Bom, primeiro é bom dizer que Martyn, KIeber e Diana não tem celulares, pois a história não se passa no ano atual (então eles ainda tem alguns anos sem redes sociais (risos)). Já sobre as relações rasas, é verdade que elas existem; pessoas fazendo de tudo para ganhar likes e views. Por outro lado a internet também tem criado laços fortes e duradouros, as vezes amizades que nunca existiriam caso hão houvesse uma rede social evolvida. É difícil dar um veredito. Acredito que a internet é como uma faca, você pode machucar alguém ou partilhar um bolo com essa pessoa. A escolha é sua de ser raso ou não.
Felipe Lucchesi (Jornalista) – Você é o Escritor que gostaria de ter lido um dia?
Marcelo Felix (Desenhista e Escritor) – Certamente eu sempre tento ser este autor. Eu escrevo para me divertir. Sou o primeiro leitor do meu próprio livro, por isso tenho que acreditar na história antes de todo mundo. Não que, tudo o que eu goste seja a única medida, e não que eu nunca erre em tentar agradar a todos, mas o livro encontra as pessoas certas. Minha regra é sempre tentar escrever o livro que eu gostaria de ter lido. Tem funcionado até hoje.
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