– Ai, dona Zuleica! Que demora! Como ele está?
– Ôxi, Helena. Ele só foi vacinar.
– Ah! Quando cheguei aqui e disseram que vocês tinham ido ao veterinário, fiquei apavorada.
– Não precisa. O Lupi tá vendendo saúde.
– Compro não. Tenho o SUS.
– Engraçada, toda.
– Engraçadinho é o Lupi! Dá ele aqui.
– Cuidado! Ele deve estar dolorido.
– Tadinho!
– É pro bem dele. Daqui a pouco tá correndo e pulando por aí.
– Ele não chorou mais, à noite?
– Desde que passou a dormir com os meninos, parou.
– Sério?
– Sim! Eles têm até horário para a vez de cada um.
– E tu deixou?
– Só quando não é o meu horário.
– Anhé? E não era tu, que não queria cachorro de jeito nenhum?
– Ah! Helena!? Você trouxe o bichinho! Quem resiste a uma carinha dessa?
– Eu sabia que ele ia conquistar vocês.
– Fácil, sendo um cachorro!
– É… Mas, já fez cocô de novo.
– Faz parte. Deixa que eu limpo.
– Como faz cocô, né?
– Tem gente que faz muito mais. 
– Oi?
– Tava lembrando da Regina Duarte, repostando uma bobagem lá sobre as crianças ianomâmis, ironizando a dieta delas, dizendo que é à base de mandioca, peixe, frutas e verduras.
– Deve ser mesmo, não?
– Quando tem, né, Helena!? Os invasores destroem tudo, dificultam a pesca e a caça! Roubam os alimentos das roças…
– Roubam até remédios! Vi na TV.
– E as crianças. Tiram de suas famílias e colocam para adoção.
– Bom… A gente fez isso com o Lupi.
– O Lupi é um cachorro!
– É. Mas a mãezinha dele ficou bem triste quando peguei ele. E ele chorou muito também.
– Eu sei! Mas os cães domesticados precisam das pessoas e não dá pra uma família manter, indefinidamente, todos os filhotes que nascem. O ideal mesmo é que eles sejam castrados para controlar a população. Os índios, não, né?! Eles são racionais, são autônomos e, se ninguém ficar atrapalhando, podem viver a vida deles, ter seus filhos, cuidar deles, educá-los conforme seus costumes… 
– Será que quem pega essas crianças pra criar, quer domesticar, igual a gente faz com os bichos?
– Penso que sim, Helena. Temos mecanismos morais que nos impedem de fazer mal aos nossos semelhantes. Para violentar de tal maneira toda uma população, é preciso, antes, desumanizar as pessoas. Como os nazistas fizeram com os judeus.
– Eu penso muito nisso… Se o coiso tivesse ganho…
– Nem pensa! Aliás, ele perdeu de novo, você viu?
– Vi, não! Onde?
– A terceira derrota dele para o Lula em quatro meses! Tentou botar um capacho lá na presidência do Senado, ia ficar atrapalhando o andamento dos projetos do governo. Isso, se não atentasse contra o STF, botasse para andar algum pedido de impeachment contra o Xandão. Perdeu de novo!! 49 a 32 votos. E nem era urna eletrônica!