– Dona Zuleica? Esse vestido aqui pode pôr na máquina?
– …
– Dona Zuleica?
– …
– Dona Zuleica??
– Anh? Ah! Oi, Helena!
– Tava no mundo da lua?
– Tava pensando no xadrez…
– Xadrez?
– Sabe o jogo? Xadrez?
– Ah! Aquele que tem rei, rainha e cavalinhos?
– Sim…
– Sei, mas não sei jogar. Já tentei. Tinha um patrãozinho que gostava, tentou me ensinar. É muito difícil…
– É um jogo que exige penso.
– Penso!?
– Nossa, Helena! Esqueceu…
– Dona Zuleica! Que conversa de doido, Tô entendendo mais nada!
– Quando vc chegou aqui… Falava cada coisa!
– Anhé!?
– Não lembra? Daquela vez que você passou bombril na minha geladeira?
– Então… Disso eu lembro.
– E lembra do que me disse quando eu fiquei fula da vida e disse que você precisava pensar antes de fazer as coisas!?
– Aaahh! Que com penso era mais caro! Eu era tão engraçada!
– Dinha, né?
– Oi!?
– Engraça… dinha.
– Vamos esquecer essa fase nebulosa da minha existência… Me fala do tal xadrez!
– Ôxi! “Fase nebulosa da minha existência”?? Quem é você? O que fez da Helena!?
– Sabia que você ia gostar… Eu aprendo, dona Zuleica.
– Tô vendo. Tô orgulhosa. 
– Agora, fala do xadrez.
– Ah, sim! É um jogo de estratégias… Antes de fazer seu movimento, você tem que tentar prever as próximas jogadas do adversário.
– Tá…
– Estava aqui pensando como na política também é assim… Você vê: o Lira dando piti, fazendo ameaças na abertura do ano legislativo.
– Mulher! Eu vi ontem no jornal. O que é que ele tá tão bravo?
– Ele tá querendo montar no Lula que nem fez com o outro. Quer apoio, dinheiro…
– Mas, dinheiro pra ele?
– Há suspeitas de que algum vai mesmo pro bolso dele, mas o que ele quer é abocanhar quase um quarto do orçamento em emendas obrigatórias, pra distribuir aos deputados conforme lhe seja conveniente. Aliás, está pedindo a cabeça do Padilha, ministro das Relações Institucionais, pra garantir que seja ele a liberar essas verbas. Ou seja, quer a chave do cofre, pra ajudar a eleger seu sucessor na presidência da Câmara no ano que vem.
– E vai conseguir?
– Alguma coisa, ele vai, porque realmente pode travar a pauta de votações na casa e atrapalhar planos do governo, mas o Lula tem mapeadas as possibilidades de jogada dele e já está fazendo alguns lances pra absorver esse impacto, empoderando outras opções para a disputa pela presidência da casa no ano que vem e ameaçando judicializar a reoneração da folha de pagamentos, com grandes chances de ganhar no STF, porque a desoneração foi prorrogada sem a indicação da fonte do recurso para sua manutenção.
– Hummm.
– Ele precisa das emendas, da reoneração e do apoio do governo para emplacar o sucessor e, também, porque quer se candidatar ao Senado em 2026 e, pra isso, precisa contar também com a oposição e, daí que, pra botar um pezinho em cada canoa, fez acenos à base bolsonarista, espezinhando o governo, se ausentando de eventos importantes como a comemoração da democracia, no 8 de janeiro… Com isso, perdeu poder de barganha, já que abriu um flanco para que o Lula negocie diretamente com os líderes de bancada. Acho que também é isso que está deixando ele tão zangado. Fez uma jogada errada e não gostou do resultado.
– Viu a pesquisa que mostra que ele e o Moro são os políticos mais rejeitados do país?
– Vi, sim.
– Merecido, né!? Não foi ele que bateu na esposa e tudo o mais?
– Tem essa acusação, sim. Além de muitas outras engavetadas ou embarreiradas por ele ou aliados.
– Pois é… Quem tinha que estar cuspindo marimbondo era a gente, né?
– Muito. Mas, agora que você falou no Moro, lembrei da Vera Magalhães dizendo que ele era um enxadrista e que imaginava que ele chegava à noite em casa e ficava projetando as próximas jogadas…
– E?
– Tô desconfiada que ele e Lira aprenderam a jogar xadrez no mesmo lugar.

Imagem gerada pela IA Dall-E