Menu

11/03/2021, 10:23

A arte da fricção

Há mulheres que se tocam, outras que se masturbam e há ainda as que gozam, entre quatro paredes, de um reservado momento de auto amor, em libidinosa intimidade consigo mesmas. Por outro lado há as que, como a narradora do conto Cheesecake & Siririca, do livro Homens Que Nunca Conheci (Patuá), escrito por Maíra Valério, tocam uma boa e velha siririca. Aliás, várias.

A falta de pudor em usar o termo supostamente chulo (o equivalente, pros homens, a bater uma punheta ou socar uma bronha) é uma escolha narrativa corajosa e deliberada que permeia os vinte e seis contos do volume, um livro criativo e desbocado sobre homens e mulheres, amores e loucuras, crises e delírios, masculinidades tóxicas e feminilidades caóticas.

A narradora do conto mencionado, por exemplo, se entrega a nababescas sessões de esfregação masturbatória: “Uma após a outra. Repetidamente. Sofregamente. Hendrix de chuveirinho. Do controle remoto. Dos lençóis retorcidos. Da quina da cama. Da ponta do travesseiro.” O objetivo é “conseguir um prazer fácil e imediato” que distraia os pensamentos. A coisa “pode terminar em um clímax poderoso ou em um quase mecânico, robótico, tipo, ah, quero gozar e esquecer, nesse breve intervalo de tempo, todo o peso da existência que invisivelmente se coloca sobre minhas costas.”

Após castigar a perseguida (ela chega a tocar oito em sequência, o que a faz refletir sobre a natureza relativa das medidas e quantidades), ela come um cheesecake com calda de maracujá num “café hipster e brega”, imersa num ciclo vicioso de gula infinita e tara implacável. Assim o faz embora não goste muito de “certos tipos de cafés e, principalmente, de certas figuras petulantes que frequentam cafés”, no que está coberta de razão.  

O senso de urgência, como se o mundo fosse acabar a qualquer minuto, atravessa Homens Que Nunca Conheci, sem abrir mão da leveza, do bom humor e de outras evidentes qualidades literárias Descrita como “cria do fim da década de 80 e uma jornalista brasiliense que acredita na rapaziada”, Maíra Valério é, no melhor dos sentidos, uma escritora malcriada.

 

Tags: ,