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30/10/2018, 14:46

Aluga-se afeto

por André Cunha

“Quem cuida dos seus filhos quando você não está olhando?” A pergunta, verdadeiro horror de todos os papais e mamães que se afastam mesmo que por poucas horas dos seus pimpolhos, é o mote de Canção de Ninar, romance da franco-marroquina Leila Slimani, publicado no Brasil pela TusQuets e vencedor do Prêmio Goncourt em 2016. Um suspense áspero, melancólico, incômodo, trata de questões como “as relações de poder, os preconceitos de classe e entre culturas, o papel da mulher na sociedade e as cobranças envolvendo a maternidade” sem qualquer sentimentalismo.

 

Aliás quase não há espaço pra sentimentos nessa família de classe média onde todos correm contra o tempo. Paul, produtor musical, e Myrian, advogada, sobrecarregados, exaustos – “A vida se transformou em uma sucessão de tarefas, de trabalhos a cumprir, de compromisso não desmarcáveis” -, decidem contratar uma babá, Louise, pra ajudar com as crianças. Essa ideia aparentemente brilhante, pois Louise leva jeito pra coisa, tem tempo de sobra, afeto pra dar e vender e paciência de monge, além de conhecer mil travessuras e brincadeiras, perderá o seu brilho rapidamente, e da pior forma.

 

Se engana, porém, quem achar que a babá é a única vilã da história. Myrian não tem paciência com os filhos: “Os caprichos de Mila a irritavam, os primeiros balbucios de Adam lhe eram indiferentes.” Paul reflete que a paternidade destruiu seus sonhos: “Tudo o que ele queria era não voltar para casa, ser livre, ele que tinha vivido tão pouco e que se dava conta disso tarde demais.” Nem os pequenos se salvam: “Mila é uma criança difícil, cansativa. Responde a todas as contrariedades com gritos” e “Mila é maligna.”

 

Uma família infeliz? Ou um retrato das relações afetivas no mundo contemporâneo?

 

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