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13/01/2022, 14:07

Angústia

– Nossa, dona Zuleica! Que cara é essa?
–  Ai, Helena! Muito triste!
– O que houve?
– Lembra aquela minha amiga, a Fátima, que de vez em quando vinha aqui com a netinha?
– A Cicinha? Claro que lembro! Inteligente e falante como ela só.
– Morreu…
– Dona Fátima?
– Não! A menina.
– Ah, não! O que houve? Acidente?
– Só se for acidente nascer em família de negacionista.
– Tá brincando?
– Não! A Fátima tá inconsolável. Ela, que tomou as três doses, viu a filha e o genro embarcarem nessa onda antivacina.
– Que dó!
– Eles estavam até se cuidando, por insistência dela, mas no réveillon, resolveram dar uma escapada… Nos pais foi leve. Mas a menina evoluiu para uma pneumonia. Estava internada desde segunda.
– Coitada da dona Fátima!
– Eu fico pensando nos pais… Além da tristeza, a culpa.
– É… Ela tinha quantos? 13?
– 12. Mas, já podia estar vacinada.
– Que horror, gente! Não tô acreditando. Ela me disse que queria ser cientista quando crescesse.
– Com pais terraplanistas?
– Eles eram?
– Sei lá. Deviam ser contra a ciência.
– Talvez só tivessem medo. Lá na Igreja, tem uns irmãos bolsonaristas. Eles têm horror da vacina. Nos grupos lá, deles, só falam bobagem. Eu tento argumentar, mas…
– Mostra os números, a redução das mortes…
– Eles acham que foi por causa da imunidade de rebanho.
– Gente louca! Será que eles sabem que quase todas as mortes, agora, são de não imunizados?
– Devem ter desculpa pra isso também.
– E pensar que a extrema direita só encampou esse discurso por poder.
– Eu só consigo pensar no sorriso e na alegria dela, que a gente nunca mais vai ver…
– Ô, Helena. Fiquei esperando você sair com alguma piadinha para me tirar desta angústia…
– Ai, dona Zuleica! Dou conta, não!  Devia ter uma lei proibindo a morte de criança.
– Ter, até que tem. Mas, essa súcia que tá aí…
– É! Era capaz de matar um bebê por dia pra não perder a boquinha…
– Um a cada dois dias.
– Oi?
– É o que estão matando com o atraso da vacinação para menores de 12 anos.
– Cruzes! Só porque não consegui te tirar da angústia, não precisava me deixar angustiada também, né?!