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15/10/2020, 09:29

Destruidores de mundos

por André Cunha

Um dos mais importante estudos sobre a cultura de massa, o livro Apocalípticos e Integrados, publicado por Umberto Eco em 1965, abordava duas posições antagônicas em relação ao desenvolvimento tecnológico: de um lado, os que viam nele um instrumento de manipulação e desumanização. De outro, os que o consideravam uma espécie de panaceia que haveria de solucionar os insolúveis problemas da humanidade. Segundo o semiólogo, ambas as posições estariam equivocadas. A tecnologia não é boa ou má, é um fato – e como tal deve ser analisado.

A perspectiva apocalíptica voltou a ganhar fôlego com o lançamento do documentário O Dilema das Redes (2020), dirigido por Jeff Orlowsky. Nele, ex-funcionários de empresas como Instagram e Facebook revelam os ardis utilizados com o objetivo de viciar o usuário no sistema. A principal figura a dar as caras é Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google, porta-voz dos desiludidos e recalcitrantes, tanto que foi capa da revista Veja acompanhado da manchete “O inimigo das redes” e sugeriu em entrevista: “se você puder sair das redes, saia.”

Entrecortado por dramatizações que mostram uma família às voltas com o uso excessivo de dispositivos eletrônicos, o documentário desperta reflexões interessantes, mas derrapa no tom alarmista. No final, o espectador fica sabendo que, além de destruir a saúde mental dos jovens, as redes podem provocar guerras civis, arruinar democracias e provocar o colapso do mundo tal qual o conhecemos: “Se continuarmos a rotina atual por mais vinte anos, provavelmente destruiremos nossa civilização através da ignorância (…) provavelmente não sobreviveremos” afirma Jaron Lanier, autor do livro Dez Argumentos para Deletar a sua Conta nas Rede Sociais Agora. A ideia de que ao navegar por esse sinistro universo você está contribuindo pra destruição do mundo é tentadora, mas enganosa. Menos, Jaron!

 

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