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17/10/2019, 09:37

Escritor ou juiz?

por André Cunha

Ganhador do prêmio Goncourt de 2006, As Belevolentes (Cia das Letras), de Jonathan Littell, mergulhava na mente perversa de um oficial nazista pra narrar as insanidades da Segunda Guerra Mundial. Arrebatador, o livro foi definido por Mario Vargas Lhosa como “um romance extraordinário” e considerado “o novo Guerra e Paz” pela crítica. Onze anos depois, uma obra de temática semelhante levou o Goncourt de 2017: A Ordem do Dia, de Éric Vuillard, publicado no Brasil pela Tusquets. Que diferença!

Se em As Benevolentes Littel fazia literatura, em A Ordem do Dia Vuillard faz proselitismo. Trata-se de um livreco pretensioso cuja “trama” (se é que há uma) se passa às vésperas da guerra, quando Hitler coopta industriais alemães pra financiar sua máquina bélica e conspira pra anexar a Áustria. Não há qualquer diferença entre autor e narrador, uma das mais básicas da literatura. É Vuillard, um escritor francês do século XXI, que, com o perdão da expressão, caga regras na cabeça de personagens históricos. O motivo? Não terem resistido bravamente à um Estado genocida e multimilionário. 

Os industriais que doaram dinheiro ao partido nazista são chamados de “máquinas de calcular nas portas do inferno.” Miklas, o presidente da Áustria, de “um bocó sem amor próprio.” Schuschnigg, o chanceler, de “um calculista medíocre.” Quando Hitler invade o país sem qualquer resistência, Vuillard se lamenta: “Nem um tiro foi dado! Que tristeza!” Mais à frente, em meio a divagações sobre os conglomerados econômicos que lucraram com a guerra, romancista recorre à… internet. No meio do romance! O alvo da vez é o patriarca do grupo Thyssen-Krupp: “No site do grupo (…) encontra-se uma notinha sobre Krupp.” Ao escrever sobre as peças de propaganda de Joseph Goebbels, informa: “eu os revi, esse filmes.” Parabéns! É Vuillard, na verdade, o protagonista do livro. Hitler, Miklas, Schuschnigg, Krupp e outros servem de escada pra que o heroico escritor galgue os píncaros moralidade. Portanto a ordem do dia é: esqueçam Vuillard, leiam Littell.

 

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