30/09/2023, 15:15
Estatuto do Idoso traz melhoras no campo, mas falta acesso a serviços
“Vou falar minha rotina. Levantei hoje às 5h, coei café, lavei as vasilhas sujas, cuidei das galinhas. Ai, depois, eu passo para a cozinha, cuido do café da manhã. Sempre observando tudo, porque mulher é mais observadora, observa onde a galinha está cantando, onde está botando o ovo, qual bicho ameaça a criação. Mulher faz não sei quantas utilidades por dia”.
Eram 11h da manhã quando Maria das Graças Galvão contava o que tinha feito até aquele momento. Ela detalhava o dia enquanto preparava o almoço para ela e o marido. A trabalhadora rural aposentada, de 71 anos de idade, conta que nunca deixou de trabalhar. Ela mora no assentamento Bananal, na zona rural do município de Peixe (TO) e é presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da cidade.
“Em todos os lugares que a gente chega, eu ainda vejo uma grande falta de respeito com o idoso. Às vezes, até um olhar que a pessoa direciona a um idoso é discriminando”, diz. “Eu tenho 71 anos e eu realmente posso falar. Nós, idosos, somos carentes. O que aprendemos, o que temos de sabedoria, é realmente em cima das pancadas que a gente recebeu durante essa vida, criando família”.
Maria Galvão está entre as mais de 4,5 milhões de pessoas com 60 anos de idade ou mais que vivem nas áreas rurais do país, de acordo com o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Assim como ela, 6,6 milhões de pessoas idosas estão aposentadas no campo por conta da idade. Pelas regras da aposentadoria rural, os homens podem se aposentar aos 60 anos de idade e as mulheres, aos 55 anos de idade. Mais de um quarto dessa população, 1,4 milhão, não têm nenhuma instrução ou têm menos de 1 ano de estudo e, a maioria, 2,6 milhões, são negras.
Considerada a população rural ativa, com 14 anos ou mais, a maioria, 87%, ganha até dois salários mínimos, o que equivale a R$ 2.640. Desses, 27% recebem menos de meio salário mínimo, ou seja, até R$ 660.
A palavra mais repetida entre as pessoas idosas do campo e especialistas entrevistados pela Agência Brasil é respeito. Respeito que falta a essa população e que está garantido em lei, no Estatuto da Pessoa Idosa, que completa neste dia 1º, 20 anos. Com 118 artigos, o estatuto visa regulamentar os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Ele amplia os direitos já previstos na Lei Federal 8.842, de 4 janeiro de 1994 e na Constituição Federal de 1988.
“O estatuto nos ajudou bastante, muito mesmo, mas ainda hoje temos pessoas no campo que não têm conhecimento de cobrar o seu direito. Já aconteceu de eu chegar no banco e ter idoso na fila com não sei quantas pessoas na frente. Eu pergunto por que estão ali, e dizem que não querem passar na frente. As pessoas não se preocupam muito em convencer os idosos de seus direitos”, disse Maria Galvão.