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26/12/2018, 12:00

Indígenas deixam isolamento para tratar os dentes

A remota comunidade indígena dos suruwahás, na Amazônia brasileira, aceitou deixar por alguns dias seu tradicional estado de isolamento para receber as melhores próteses dentárias que existem na atualidade e recuperar assim sua principal ferramenta de trabalho, os dentes.

A ação levou cerca de 50 profissionais da ONG Médicos Sem Fronteiras e de órgãos governamentais do Brasil até uma remota região no sul do Amazonas, onde mais de 80 suruwahás receberam próteses, algumas delas avaliadas em mais de US$ 5.000.

“Embora tente, não posso explicar nem 10% do que foi vivido lá”, foram as palavras com as quais o presidente da ONG, Caio Machado, relatou à Agência Efe sua vivência.

Esta comunidade é catalogada “de recente contato” pela Fundação Nacional do Índio (Funai) porque há apenas 40 anos teve contato com o exterior.

De acordo com Daniel Cangussu, coordenador regional da Funai, os suruwahás se mantêm isolados por uma questão de memória “histórica”, pois são descendentes de povos massacrados no final do século XIX e também por razões de saúde: “O que para nós é uma simples gripe, para eles pode ser uma complicação”, explicou o especialista.

A fechada comunidade dos suruwahás ganhou a atenção do país depois que o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado retratou seus costumes peculiares, como o consumo de poções venenosas feitas de timbó, uma planta tóxica que provoca a morte.

Cangussu explicou que o autoenvenamento é uma prática bastante difundida, não só entre os suruwahás, mas em outras comunidades da família dos arawak no Amazonas.

Os suruwahás são agricultores e excelentes caçadores, e os homens usam seus dentes frontais para muitas das suas atividades diárias, por isso que “seu tratamento odontológico é mais importante inclusive que o médico”, disse Machado.

O desgaste de seus dentes tinha dificultado tarefas como a construção de flechas para a caça ou a confecção de malocas, por isso que tinham começado a usar as crianças como apoio para estes trabalhos.

O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Médio Rio Purus é a unidade de atendimento básica que cobre a região, com cerca de 9.000 indígenas e apenas seis dentistas, segundo informou à Efe um deles, o responsável por Saúde Bucal, Diego Picanço.

Devido à falta de meios, a prática mais habitual é a extração, por isso que existia uma demanda urgente de próteses que levou em novembro passado mais de 50 pessoas, entre Médicos Sem Fronteiras e membros da Funai, até a remota localização.

Durante nove dias de convivência sem precedentes para 123 suruwahás foram feitas 46 próteses e 34 tratamentos de canal. Os caçadores, considerados os mais importantes, foram a prioridade: “Eles mandam porque a terra é deles”, comentou Machado.

A tecnologia usada para as próteses, “a melhor que existe”, é a Cad-cam, a qual permite escanear a boca do paciente para obter as medidas e que uma impressora 3D talhe um bloco de cerâmica em poucos minutos até transformá-lo em dentes.

Foram realizadas duas próteses totais – dentaduras completas – avaliadas em mais de US$ 5.000 cada uma e 44 parciais, que contêm de uma a três peças e nas quais cada dente tem um valor de mais de US$ 1.000.

Segundo Diego Picanço, os suruwahás, que permaneceram no acampamento até meados de dezembro, ficaram “muito satisfeitos”: “No início, tinham um pouco de receio com tanta gente e os equipamentos, mas quando o primeiro saiu feliz com sua prótese e a mostrou para os demais, tudo fluiu perfeitamente”, relatou o dentista.

Machado também avaliou a ação como um sucesso, apesar do caráter reservado dos suruwahás: “Eu avisei aos meus colegas que não esperassem abraços e grandes mostras de agradecimento”.

Embora o dentista reconheça que ações como estas lhe trazem “paz interior”, ele as considera “sua responsabilidade” como profissional da saúde.

“A medicina foi criada há centenas de anos para salvar vidas e cuidar das pessoas, não para ganhar dinheiro. Embora depois nós a tenhamos distorcido e a transformado em uma profissão, não se pode esquecer qual é sua essência”, concluiu Machado.

 

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