16/05/2019, 12:18
Nunca chame um arqueólogo de caçador de tesouros
por André Cunha
A arqueologia desenvolveu-se num contexto colonialista. Via de regra europeus “descobriam” e traduziam, segundo seus próprios valores e interesses, a história remota de outros povos. Esse tipo de pensamento está presente, num saudável exercício de autocrítica, em A Cidade Perdida do Deus Macaco, de Douglas Preston. Publicado no Brasil pela Vestígio, o livro investiga “a descoberta arqueológica mais importante do século XXI” segundo The Nacional Geographic Society, e vem coalhado de elogios.
E que importante descoberta seria essa? Ruínas deixadas por uma civilização desconhecida na impenetrável selva de La Mosquita, em Honduras. Os elogios são merecidos, e Preston entrega uma narrativa hábil sobre as agruras de um grupo de pesquisadores norte-americanos em busca de vestígios arqueológicos num dos lugares mais perigosos do mundo. O bicho pega lá por dois motivos: 1) como o autor explica, “os traficante fizeram de Honduras principal ponto de transbordo de cocaína entre a América do Sul e os Estados Unidos, e Mosquita estava no centro disso”; 2) a selva é um caldeirão de doenças contagiosas, serpentes mortais e perigos de todo tipo de perigo.
Quanto às críticas: os pesquisadores foram acusados de se apropriar da história hondurenha e de promover um verdadeiro circo publicitário, alardeando na imprensa a descoberta de uma “cidade perdida.” Um dos pesquisadores é chamado de caçador de tesouros, “o insulto mais sujo da arqueologia.” A suposta descoberta reproduziria um “discurso colonialista.” E coisas do tipo. Preston, um experiente escritor e pesquisador, responde com objetividade e elegância. Nem precisaria. A Cidade Perdida do Deus Macaco é uma reportagem bem escrita e bem apurada sobre uma civilização perdida. Nem maia, nem asteca, nem inca, os povos de La Mosquita tinham características bastante próprias, como o culto a criaturas zoomórficas, entre elas abutres e macacos.
Quem eram? Onde viviam? Do que se alimentavam? Se isso é sensacionalismo, é porque a arqueologia é uma ciência sensacional por natureza. Manda bala!
Tags: Arqueologia, Douglas Preston, Honduras