02/05/2019, 12:02
Que belo monte de lixo!
por André Cunha
Andando pelo ateliê do seu mais novo artista plástico contratado, o galerista Jon DonDon se encanta com um monte de sacos de lixos espalhados pelo chão. “Notável!” exclama, fascinado pela mais nova obra do atormentado gênio pictórico vivido por John Malcovich que dilui e ironiza as fronteiras entre arte e mercadoria, alta e baixa cultura, industrial e artesanal, original e plágio. “São apenas sacos de lixo” explica o artista. A verdadeira arte, sua obra prima em andamento, é outra: uma tela branca com dois borrões coloridos. Dondon contempla aquele enigma expelido das entranhas da arte contemporânea. O que dizer de algo tão abstrato?
É essa a pergunta que assombra Velvet Buzzsaw (2019), disponível no Netflix, dirigido por Dan Gilroy e estrelado por Jake Gyllenhaal, descrito como um terror satírico sobrenatural, um filme com nome esquisito, trama esquisita e uma ambientação esquizoide por natureza: o mercado das artes plásticas. Como mensurar o valor de uma obra? Como especular em cima dela? Em meio a artistas egocêntricos, galeristas inescrupulosos, curadores de museu cheios de segundas intenções e compradores anônimos, a figura do crítico é fundamental. Ele lança o olhar valorativo (se é bom ou ruim e porque) e acha alguma coisa ali. E, se for influente, o público e o mercado vão atrás dos seus achismos. É o caso de Morf Valdewalt, o vivido por Gyllenhaal, que fica obcecado pela obra pintor obscuro Virtrel Dease (os nomes parecem saídos de um livro de Tomas Pynchon). O veredito de Vandelwat sobre a obra de Dease? Mesmerizante e visionária, pra dizer o mínimo.
Gilroy, que já havia dirigido O Abutre (2014), um suspense acima da média, quebra de modo inventivo algumas expectativas – por exemplo o protagonista que a princípio era gay “entra no armário” e passa a gostas de meninas -, tira um sarro legal do universo retratado e entrega um filme divertido, repleto de observações sarcásticas, tiradas espirituosas e um final bem amalucado. O filme está com nota 61 no Metacritic, site que faz compilações de críticas de cinema. Merecia mais. Afinal os críticos muitas vezes não sabem de nada.
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