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14/11/2019, 10:45

Tirem as crianças da sala

por André Cunha

“As pessoas dizem que não sabem definir o amor, mas pensei muito de ontem pra hoje e cheguei a esta conclusão: amar é desrespeitar e ser desrespeitado.” O petardo parece saído de uma das histórias da série A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues, mas está no livro de contos Ela Queria Amar, Mas Estava Armada, escrito por Liliane Prata e publicado pela Instante. Como se vê, o tom não poderia ser mais distante das ladainhas sentimentais encontradas aos montes nas redes sociais do tipo “amar é… (complete com alguma platitude politicamente correta)” ou da literatura engajada feminista que vitupera contra “tudo isso que está aí” – leia-se a violência, o assédio, a falocracia, o patriarcado etc.

Descrito pelo crítico e poeta Marcelo Ariel como um livro que elabora “uma suave crítica do pensamento binário e anti-homem”, Ela Queria Amar… aborda, ao longo de vinte contos, o universo dos relacionamentos contemporâneos. Não há bandidos e mocinhos, mas personagens reais de carne e osso em situações cotidianas: homens inseguros, estúpidos, cretinos e bondosos; mulheres cruéis, independentes, ternas, frívolas e ciumentas; relações que naufragam, amores intensos, reconciliações, brigas, rancores, saudades, divórcios (e até pequenas alegrias, apesar de tudo). Destaque pro conto Ninfeta, uma alquimia tão bem sacada entre ingenuidade e crueldade que não seria exagero descrevê-lo como brilhante; pra É Muito Difícil as Relações Vingarem Hoje em Dia, cujo título é autoexplicativo; e pra Faça Massagem nos Pés da Pessoa, uma aula de pragmatismo sentimental resumida na frase “pessoas simples devem ficar com pessoas simples, para se entediarem juntas.”   

Jornalista e editora de revistas de grande circulação como Capricho e Cláudia, Prata escreve com fluência, bom humor e de um jeito – elogio dos elogios! – maduro. Sim, Ela queria Amar… é um livro com muitas qualidades, mas a principal delas é ser um livro adulto, que narra as complexidades da vida adulta, sem filtro. A epígrafe é de Clarice Lispector: “amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.” Salvemo-nos!

 

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