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12/12/2018, 15:11

Um pote até aqui de ayahuasca

por André Cunha

Publicado pela editora Planeta, o romance A Seita, de Paula Picarelli, com o subtítulo “o dia em que entrei para um culto religioso”, e a chamada “do idealismo libertário ao completo desencanto: uma história sobre mecanismos de manipulação e algumas doses de ayahuasca”, tem um ponto positivo: relatar, em forma de ficção, como líderes religiosos, valendo-se de uma poderosa substância psicoativa, podem provocar uma verdadeira lavagem cerebral nas pessoas. E um negativo: relatar, em forma de ficção, como líderes religiosos, valendo-se de uma poderosa substância psicoativa, podem provocar uma verdadeira lavagem cerebral nas pessoas, apenas.

 

Explico: Picarelli não escreveu uma tese acadêmica sobre o assunto, portanto não tinha a menor obrigação de explicar e contextualizar o que é, de onde vem e como funciona a ayahuasca. Ao não fazê-lo, contudo, adota uma perspectiva limitada em relação ao tema, qual seja, a de jovens de classe média alta paulistanos, artistas boêmios do circuito Vila Madalena com algum genérico problema espiritual. Tanto a protagonista/narradora quanto os seus colegas entram pra uma seita chamada Portal da Divina Luz, sofrem os mais diversos abusos físicos e psicológicos, caem em golpes financeiros e, um por um, abandonam a comunidade. Ao participar de uma última sessão, já com o senso crítico ligado, ela reflete: “As letras e as melodias são muito pobres. Chegam a ser infantis. Como não notei isso antes?”

 

Sim, mas por que os índios usam a ayahuasca há milhares de anos, por que a consideram uma substância sagrada, quais efeitos ela provoca? Essas interessantes questões são obliteradas por uma espécie de vago ressentimento contra charlatães, picaretas e estelionatários. Uma escritora urbana escrever sobre o mau uso da ayahuasca equivale a, de certa forma, um índio isolado dissertar sobre o mau uso da internet. Saberá, ao menos, pra que serve? Como funciona? Faltou uma curiosidade legítima sobre o assunto e uma abordagem menos provinciana.

 

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