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03/10/2019, 11:25

Uma noite no oráculo

por André Cunha

Domingo, 22 de setembro. Ao comprar ingresso pro espetáculo O Amor Vai te Foder um Dia, estrelado pela Companhia Casa de Ferreiro no teatro Oficina Perdiz, na 710 Norte, o incauto cidadão é induzido a esperar num quiosque ao lado, o Maumau & Lele Lanches e Espetinhos. Uma vez instalado, e percebendo que o local encontra-se atipicamente superlotado, vê o dono do estabelecimento lançar-se num monólogo repleto de fúria e violência. Pouco depois um automóvel estaciona derrapando e uma mulher é jogada pra fora sob os gritos de “puta nojenta!” enquanto rebate à plenos pulmões “viado do pau mole!” O carro deixa o local cantando pneus e levantando poeira. De repente pedintes que há pouco mendigavam nos arredores – “uma moedinha, pelo amor de Deus!” – transubstanciam-se no “palco” e prodigalizam diálogos sobre os temas mais sombrios da condição humana – loucura, solidão e morte. À essa altura já não resta dúvidas: o espetáculo começou.

Convidados a entrar, os espectadores seguem em fila indiana e sentam-se nas cadeiras do diminuto porém charmoso teatro. O espetáculo prossegue com a mesma energia, dessa vez focado na relação doentia entre a prostituta Neusa Suely e seu cafetão, Vado. Trata-se de uma adaptação livre da peça Navalha na Carne, de Plínio Marcos, um dos mais inventivos dramaturgos brasileiros, famoso por retratar o submundo brasileiro como nenhum outro e dar voz aos mais marginalizados entre os marginalizados – putas, mendigos, presidiários, drogados. No auge da briga entre Neusa e Vado, algo ocorre: o diretor Bruno Estrela interrompe o andamento da peça pra fazer considerações e apartes. Os atores discutem com ele sobre as motivações e as características dos personagens, sobre a intensidade da cena e as marcações de palco. As fronteiras entre real e ficcional, sonho e realidade, jogo e treino, se diluem. O resultado é fantástico. 

Destaque pro nome da peça que, mais do que um mero título, é quase uma profecia. Porque, não se enganem: vai.

 

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