12/03/2019, 15:35
Viagem ao centro da neura
por André Cunha
Há algo de grotesco na forma como o pequeno Chris, uma fofa criança de meros seis anos, mastiga o macarrão com molho de tomate, tritura a massa com os dentes, mistura com os sucos salivares e empurra goela abaixo a gosma nutritiva. Há algo de muito errado nos ruídos que faz, no vazio dos seus olhos, na voracidade do seu estômago. Sarah, sua mãe, desconfia que aquele buraco que está sendo preenchido não é o de Chris, mas de uma entidade maligna que possuiu seu corpo. E, por Deus, o que é aquele buraco imenso na floresta? De onde veio? Por que parece estar sugando tudo e todos?
O buraco, aquilo que tudo dilacera, tudo consome, tudo tritura, tudo extermina, é o tema central de The Hole in the Ground (2019), ou O Buraco no Chão. Dirigido por Lee Cronin e produzido pela A24, esse surpreendente terror escocês consegue a proeza de assustar e entreter com notável sensibilidade e profissionalismo. Não é todo dia que aparece um filme de terror bom no mercado. Cronin mostrou que sabe criar um clima. O final com uma pegada meio Stranger Things não é ruim, mas não faz jus à escalada de tensão do filme.
Mas o que seria, de fato, o buraco? Uma metáfora da nossa própria mortalidade? A cova simbólica que contemplamos no breve interlúdio da vida? Uma passagem pro mundo dos mortos? Um canal através do qual monstros malignos sugam a alma das criancinhas? Um túnel que leva a uma região infernal repleta de demônios? A extinção, o fim, o nada? O lado escuro da alma? O vazio?
Esse é o barato de fazer um filme, digamos, conceitual: não há fatos, mas interpretações. Você não explica, mas propõe. Não mostra, mas sugere. Na melhor cena, por sinal, justamente depois da bizarra refeição, a câmera enquadra uma cozinha vazia. Onde está Chris? Onde está sua mãe? O que aconteceu? Só se ouvem barulhos. Quantos furos narrativos! Que medo!
Se joga!
Tags: cinema, The Hole in the Ground