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17/06/2021, 11:14

Bolinhas de Sabão

Manhã de sol, resolvi fazer bolinhas de sabão para distrair os cães. A brincadeira dura poucas bolhas estouradas por patas e narizes curiosos que logo entendem efêmera e sem graça a presa voadora, leve e transparente.
Ao contrário deles, permaneço ali, soprando e acompanhando seu trajeto volúvel ao sabor da brisa, ora para baixo, ora sumindo acima do telhado. Quando chega o horário de trabalhar, reluto em interromper esse momento de completo alheamento das coisas do mundo, mas, ao cair numa das várias crateras deixadas no gramado por minha adorável matilha, evoco a lista de coisas a fazer; dentre elas, comprar terra para tapar os buracos. Nada melhor que autodisciplina, para destruir um instante de abstração.A caminho do escritório, passo pela cozinha, onde a TV ainda fala da caçada ao assassino em série tupiniquim, um bandidinho desesperado e oportunista, bem diferente das personagens glamorosas e geniais do cinema.
Ainda assim, o assunto escabroso domina a mídia, roubando os holofotes das milhares de mortes diárias pela COVID, da nova baixa no poder de compra do brasileiro, das sérias acusações revanchistas de Witzel na CPI, das contradições no Supremo sobre as quebras de sigilo solicitadas pela comissão, da determinação de Aras pelo arquivamento do processo por ataques à democracia envolvendo deputados bolsonaristas, do assassinato, pela polícia, da jovem negra grávida, da queima de arquivo na morte do miliciano Ecko, no Rio. São tantas notícias deprimentes… Não precisávamos de mais essa besta fera acuada, espalhando o terror na região, concluo angustiada.
Busco refúgio na imagem das esferas translúcidas de mais cedo. Porém, não me invade a paz de então, mas a melancólica lembrança delas, fugazes, explodindo no ar, assim como a alegria por ter recebido, neste sábado, a primeira dose da Astrazeneca,  desaparece diante da certeza de que se tivéssemos um professor no Planalto, eu provavelmente já estaria completamente imunizada. Eu e tantos outros que a doença vitimou.